Por dentro do caos

Porque te enganas a ti próprio? O teu registo não é este. Nunca foi. Nunca será. Nunca o poderá ser. Tu só sabes escrever por dentro do caos. Por dentro de mim. Tu só sabes escrever à beira do abismo, naufrago da falência, filho do fracasso, criança perdida em espasmos de desespero. Tu só sabes escrever quando as mãos te tremem. Quando o corpo estremece e parece ter medo. Foges por isso mesmo. Porque tens medo. Mas um dia deixarás de o ter. Porque tu só existes nas palavras rápidas, que tomam conta de ti, que te dominam, que não te deixam pensar nem saber, que são como demónios que entram no corpo e se instalam e a partir de ti se exprimem e se libertam. Só escrever assim vale a pena. Escrever ou é uma forma de possessão ou não é nada. Escusas de querer dourar a pílula, amansar a fera, disfarçar a dor, ofuscar o grito. Escusas de fazer de conta que podes escrever com contenção, coerência e sentido. Escusas de fingir que escreves para transmitir ideias. Quando o que tu queres é espalhar o fogo pelo mundo e escrever não é outra alegria senão essa que se alimenta da esperança de que o mundo já esteja arder. Tu és o poeta das chamas e do grito, do sangue e da dor. Ninguém escolhe propriamente o seu destino. Muito menos o seu estilo. Quem se procura na escrita trai a escrita. Se escrever não é perder-se, escrever não é nada. E escrever tantas vezes não é nada. Só uma vaidade circular, uma perda de tempo, uma mentira estética, um prazer supérfluo. Quando não se ouve o grito, mesmo o grito surdo, não se ouve nada. E não se sabe nada. E não se escreve nada. Escrever é como cortar os pulsos porque é para não os cortar que se escreve. Não há outra razão. A beleza não alcança o essencial. A beleza é apenas um anexo que as criaturas vazias usam para disfarçar a vacuidade. A beleza não tem importância nenhuma. Antes o realismo amoral da pornografia do que a fantasia selectiva do erotismo. A arte não se compõe no cérebro, mas no estômago e só quando é vomitada tem valor. É alimento que se partilha como o sangue e o sémen. Invade corpos alheios, penetra mentes distraídas, recria a chama original que queima por dentro do tempo.

Não tenhas medo. Esta não é a altura de ter medo. O teu registo é este. Sempre o foi. Não te enganes na subtileza e nos truques do diálogo sereno. Tu não nasceste para isso. Tu escreves para não enlouquecer. Nem há outra razão. E a escrita é esse processo de enlouquecimento que explode por dentro de ti. Não esperes muito da tranquilidade das palavras. Tu escreves a sangue. Tu és o poeta do fogo e da vida.

4 comments:

Anonymous said...

Quando escreves assim assustas-me.

Tento imaginar que inventas uma personagem, que não és tu, e grito e zango-me.

O meu coração bate depressa, muito depressa - não quero ver-me em ti, não posso rever-me em ti.

O caos assusta-me, lembra-me outra vida, parte da minha vida, que não quero voltar a viver.

Mas volto aqui, volto sempre aqui, e odeio-me por isso, e odeio-te por isso.

Chorar, queria chorar. Mas porque raio fui eu encontrar-te?

Podia parar agora, apagar tudo, nunca virias a saber, mas algo me atrai para o abismo.

Olha, também este sofrimento é só uma ilusão, só uma ilusão.

Por favor, diz-me outras coisas, quaisquer outras coisas.

Por favor, explica-me porque só o amor é redenção.

Por favor...

Rita

Anonymous said...

Como por dentro os poetas não existem sem isto.Sangue.Como fazendo um assassínio ,uma relíquia ou invandido os silêncios.A vida jorra sem medida.

Anonymous said...

“Não quero que ninguém ignore meus gritos de dor e quero que eles sejam ouvidos”.

Antonin Artaud.

Anonymous said...

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