Não, não pares agora.

Não, não pares agora. Entra por dentro de mim e descobre um sonho qualquer. Mesmo que seja um sonho impossível de tocar, é melhor quando as tuas mãos aquecem um desejo difícil de explicar. Talvez eu pudesse morrer agora onde tu estás. Ou engolir-te para que de mim voltasses a nascer. Ou procurar outra fronteira mais difícil de atravessar. Há um rio que nos separa e que tem a cor do suor e do sangue e do esperma e de todas as águas que abrem o abrigo onde o riso tristonho se esconde para se revelar numa gargalhada. Já fui trapo para homens enfurecidos. Eles limpavam a sua sede aos meus beiços. Um traço branco escorria-me pelos lábios. Havia gritos e palavras porcas. Daquelas que os homens dizem quando não têm coragem. Mas há uma margem de desejos perdidos. Não sabia bem como se saía dali. Às vezes ficas perdida e não consegues perceber. Depois há sempre outra carta no baralho que te mostra que não és especial. Ontem vi um sapo a roer um guardanapo. Também há crianças por aqui. São devoradas como se pertencessem a quem as penetra. Há algo de agudo no grito tresloucado. Já vi mulheres serem esventradas por facas aguçadas. Entram por todos os orifícios e não segredam prazeres. Não há segredos neste lugar. Tudo é claro como a luz do dia. E assustador. Cogito, ergo sum. Mas não é para isso que te pagam. Nem para pensares nem para seres. Muita sorte tens se amanhã ainda cá estiveres. Desaparecem como sombras as mulheres fantasmas. Há homens que pagam assombrações mutiladas. Cortam fatias do bolo que partilham. O riso é mais vermelho no quarto da morte. Trabalham na forja dos dias as moléculas infantis. Lol não é riso, é código para ninfa. Podes alugar o mistério mas a garantia perde-se. Já vi sangue sair de dentro da terra. Foi como uma mulher a morrer em outros braços. O marido gestor observava de longe. Não foi má a transacção mas já me foderam o negócio. E o que eu investi nesta coisa. Tens segredos daqueles que não se podem contar? Segreda-mos ao ouvido. Para eu adormecer pacificada.