Liberalismo à portuguesa

A luta contra o Estado em Portugal é trágica. De certa forma, Portugal é um país sem Estado, porque o cidadão não se sente Estado, daí que lutando contra o Estado não se sinta a lutar contra si próprio. Pior ainda, dada a realidade do país, lutando contra o Estado não está a lutar contra si próprio.

O país de Salazar

A vitória de Salazar no concurso de televisão sobre Os Grandes Portugueses - se é que tal expressão tem sentido, uma vez que é quase impossível ser-se grande num país tão pequeno como Portugal, e não me refiro à dimensão geográfica - não é estranha nem surpreendente. O Portugal de hoje não é afinal assim tão diferente do Portugal de ontem, e parece-me que tende a piorar, uma vez que iremos continuar a sentir os efeitos colaterais do país que estamos a construir. O pensamento não é valorizado, e se ontem era violentamente reprimido, hoje é subtilmente anestesiado. A repressão política directa foi afinal substituída pela repressão económica directa. E o que é a economia e o mercado senão, em si mesmos, um projecto político, ou a aplicação prática de um projecto político? Ontem não se falava com medo da prisão, hoje não se fala com medo do desemprego, pensar nunca se pensou, porque o pensamento nunca foi valorizado, não o era ontem e não o é hoje. Portugal sempre foi um país virado para a prática, mas para uma prática sem teoria, e portanto sem grandeza, a inteligência que aqui ajudou a triunfar sempre foi uma inteligência minimalista, bruta, primária. Uma apreensão directa da realidade que equivale afinal a um viver ignorante e mesquinho. Perdeu-se a aposta da educação, disse Leonor Pinhão, no pouco que vi do final do programa. E as palavras são exactas. Cada vez mais aquilo que se defende e pratica é uma educação técnica, básica, directa, prática. Defende-se a submissão das Universidades e outros centros de cultura e saber, e logo de verdadeiro progresso, à lógica curta e imediatista do mercado e do mundo empresarial e financeiro. Só o que importa é o dinheiro, o resto é paisagem. Ora dá-se o caso de o resto ser apenas o essencial. A vitória de Salazar é afinal igualmente, ainda que muitos tenham imaginado o contrário, a vitória do país em que vivemos e do país que insistimos em alimentar. Não foi tanto uma vitória da saudade, quanto uma vitória do reconhecimento. Não se entende ao certo se quem votou em Salazar votou como forma de protestar contra esta democracia à portuguesa em que vivemos, hipótese plausível se tivermos em conta que o segundo lugar foi ocupado por Álvaro Cunhal, ou se foi apenas um voto de confusão entre o Portugal de Salazar e o Portugal de hoje. O país está entregue a técnicos e engenheiros e outros especialistas em pensamento minimalista; obcecado com preocupações orçamentais; o elogio beato do trabalho regressou, alimentado pelo emprego precário e pela ameaça de desemprego; a cultura não é muita, e não sendo quase nunca valorizada, é quase sempre desvalorizada; Fátima, o fado e o futebol não foram propriamente ultrapassados, senão amplificados por novos consumos, igualmente primários, mesquinhos e estupidificantes. O país continua assim. O país parece querer continuar assim. Portugal provavelmente não terá futuro. Não é nem nunca será um grande país. Talvez não precisasse de ser tão pequeno.

A razão do vencedor ou aviso à esquerda

O que importa compreender não é como foi que a esquerda perdeu, mas como foi que a direita ganhou.

A experiência impossível

Se a experiência é tudo porque é que o meu cão não aprende a falar por mais que eu o ensine?

Recomeçar

- Então este blog acabou?
- Não sei. Parece que sim. Mas ainda cá está.
- Podias sempre apagá-lo. Como fizeste aos outros, lembras-te? Ou já perdeste o jeito?
- Não seria muito lógico apagar um blog que se chama "tudo o que não apaguei".
- É verdade. Mas a morada é "delete this blog and all entries".
- Mas agora já não preciso de apagar blogs.
- Porque é que apagaste os outros?
- Não sei ao certo. Talvez quisesse nascer de novo.
- Não é na blogosfera que se nasce de novo, suponho. E mesmo que aqui nascesses de novo seria sempre um nascimento virtual. Isto não é o mundo real.
- Não, pois não. Se calhar foi por isso que apaguei os outros blogs. Porque começava a confundir o virtual com o real.
- Deve ser uma forma qualquer de loucura essa confusão.
- Sim, deve ser. E achas que há cura?
- Há sempre cura para quem se quer curar.
- Nem sempre.
- Quase sempre.
- Há males que não têm cura.
- Não há mal que sempre dure, ouvi eu sempre dizer.
- Nem bem que nunca acabe.
- As coisas são o que são.
- Estamos bonitos! Não achas esta conversa um pouco tola?
- A culpa é tua.
- Porquê?
- Porque eu não existo.
- E eu existo?
- Até prova em contrário, parece que sim.