Salto falhado

I held the blade in trembling hands
Prepared to make it but just then the phone rang
I never had the nerve to make the final cut.
(Roger Waters)

Está na ponte e vai saltar. Mas há alguém que grita. E o grito ecoa pelo espaço vazio. Os carros passam demasiado depressa. Mesmo com velocidade controlada. Circulam por dentro da sua indiferença contida. Ninguém sabe quem é. Está na ponte e vai-se atirar. Imagina-se para onde vai. Para um vazio qualquer. Talvez procure outro mundo e outra vida. Há alguém que grita. Mas o grito perde-se no espaço vazio. Os carros passam demasiado depressa. Só um sorriso o poderia salvar. Mas ela ficou em outro lugar. Talvez espere por ele. E ele não sabe regressar. Alguém grita. Ele volta-se para se agarrar. Antes da queda final. As pessoas regressam a casa. Depois de mais um dia cumprido. A noite cai devagar. Mas ele cairá num ápice. O dia volta amanhã. Mas para ele não haverá regresso. Está na ponte e vai saltar. Há alguém que grita. Como se o tempo ainda pudesse parar. Os carros passam depressa. Mesmo com velocidade controlada. O coração bate a compasso. O sangue ecoa nos pulsos. O rio ficaria vermelho se agora os abrisse. Ouve-se um grito ao longe. Ele regressa devagar. Há um carro da polícia que pára. O senhor não sabe que não pode andar assim na ponte? É que eu ia saltar. Não me venha com desculpas e entre no carro. A polícia leva o homem que não saltou. Houve alguém que gritou. E o grito dissolve-se no ar. Já ninguém o ouve. Há um carro que pára no mesmo lugar de onde ele ia saltar. Isto de ter avarias na ponte é uma chatice e dá direito a multa. Há um grito que ecoa no ar. Mas este conseguimos compreender. Anda com essa merda para frente, minha besta!

1 comment:

laura said...

Há quem viva debaixo da ponte. Lembra-te disso...