Barbeiro, queda de cabelo e agrião

Há algo de estranho nos barbeiros. São criaturas que falam demais. Não conseguem estar calados. Contam vidas, espalham notícias, alimentam boatos, resolvem enigmas, lançam desafios. O barbeiro não é apenas alguém que corta cabelos e faz barbas. Um barbeiro é um meio de comunicação pré-moderno. Este agora fala da vida do vizinho do lado com a segurança de quem conhece a vida de toda a gente. São anos de prática e de dedicação.

Então, como é que quer isto?
Pode ser à máquina. Pente dois.
Pente dois? Olhe que é muito curto!
Não faz mal. Pode ser.
Se é assim que quer… Cá vai disto!

Ele continua. Fala do relato de futebol. Dos comentadores. Dos falsos sinais dados pelo relator: é golo, é golo, é agora, é agora, vai, vai, e sei lá que mais, e nunca é. Estes gajos são uns aldrabões. De repente, é golo. É mesmo golo. Olha o cabrão agora acertou. Disse que era golo e foi mesmo. Há um cliente que entra. É já velho. Sei depois que está reformado e que a mulher sofre de Parkinson não podendo ficar muito tempo sozinha em casa. Há uma mulher que lhe faz companhia. O velho quer saber se o barbeiro lhe pode cortar o cabelo em meia hora. Não espera pela resposta. Sai e diz que já volta. O barbeiro lamenta-se. Este gajo, mora aqui ao lado, está reformado, e é sempre a esta hora que vem cortar o cabelo, que não se pode demorar, que a mulher está sozinha. Então mas não há uma mulher que lhe faz companhia? Há, responde o velho, mas já saiu. Já saiu! E o cabrão do velho agora é que quer vir cortar o cabelo. A tarde toda para o fazer e só se lembra de vir quando a mulher já está sozinha em casa. Tem lá aquela doença. Não pode ficar muito tempo sem ninguém. Consegue fazer isto em meia hora ou não? Eu conseguir, consigo. Consigo cortar-lhe o cabelo. A meia hora é que já não garanto. Ainda por cima o cabelo dele parece palha-de-aço, e é farto, o velho tem cabelo por todo o lado. Podia-lhe dar um bocado a si, diz-me ele.

Essa sua queda de cabelo… Sabe o que é bom para isso… Agrião.
Agrião?
Exactamente, agrião. Pega numa mão-cheia deles e esfrega na cabeça. Vai ver que resulta.

Põe o espelho por detrás da minha cabeça. Pergunta se está bom. Eu digo que sim. Ele acrescenta, pouco convencido: assim, está bom assim, todo cheio de ondulações?

Está com pressa?
Não.
Tinha aqui o recorte sobre os agriões.

É só um bocadinho. Estava para aqui. É para ver que eu não estou a mentir. O agrião é bom. E o alho também. Um gajo depois fica é a cheirar a alho!

Eu leio a notícia. Confirmo que é verdade o que ele diz. Embora a notícia só fale em comer agrião. Não diz nada sobre essa ideia de esfregar a cabeça com agrião. Menos ainda fala de alho. Mas se ele o diz, quem sou eu para duvidar!

Curioso. Não sabia.
É verdade. É verdade. Você não gosta de agrião?
Gosto.
Pois então coma! Eu é sempre. Quando dou pela queda de cabelo, vou logo comer agrião. Normalmente, na salada. Mas, às vezes, agarro naquilo à mão-cheia e vai tudo para a boca, mesmo assim a lavrador.

Ele vem até à porta. Acompanha-me à saída. Volta a recomendar o agrião. Coma muito, coma muito agrião. Fica a olhar para mim. Parece perseguir-me. Há algo de sinistro naquele sorriso. Afasto-me devagar, e penso, em silêncio: Tenho que mudar de barbeiro.

7 comments:

Rita said...

(...)


Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. - Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa...
- AH! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que "estar preso" quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que "estar preso" quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?
- É a única coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho. - Sabes, há uma certa flor...tenho a impressão que estou presa a ela...
- É bem possivel - disse a raposa. - Vê-se cada coisa cá na Terra...
- OH! Mas não é da Terra! - disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada.
- Então, é noutro planeta?
- É.
- E nesse tal planeta há caçadores?
- Não.
- Começo a achar-lhe alguma graça...E galinhas?
- Não.
- Não há bela sem senão...- disse a raposa.
Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor...Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que prendemos a nós - disse a raposa. - Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não me dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito...São precisos rituais.
- O que é um ritual? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - respondeu a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual, à quinta-feira, vão ao baile com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas. Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
Foi assim que o principezinho prendeu a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa - ai que me vou pôr a chorar...
- A culpa é tua - disse o principezinho.- Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim...
- Pois quis - disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! - disse o principezinho.
- Pois vou - disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...
Depois acrescentou:
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho lá foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada - disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês e vocês não estão presas a ninguém. Vocês são como a minha raposa era. Era uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e, agora, ela é única no mundo.
E as rosas ficaram bastante incomodadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sózinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi a que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi ela que eu abriguei com o biombo.. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu vi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com aminha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.

(...)

Antoine de Saint-Exupéry

laura said...

não apagarás.

Rita said...

Achei que gostarias de saber...

Nome popular: AGRIÃO

Nome científico: Nasturtium officinalis

Família: Cruciferae

Sinonímia popular: Jambu, agrião-da-água, berro, agrião aquático, agrião do rio

Parte usada: O vegetal inteiro

Propriedades terapêuticas: Depurativo, antiescorbútico, diurético, antidiabético, anti-raquitismo, expectorante, unguento, cicatrizante

ana said...

muito bom jctp. já estava com muitas muitas saudades tuas.

gostei especialmente do "e vai tudo para a boca, mesmo assim a lavrador"

jmnk said...

gostei mt jctp...qt ao novo blog sugiro uma pequena alteração no título:

tudo o que (ainda) não apaguei

;)

abraço

Anonymous said...

Ainda bem que há coisas que não se apagam.

Anonymous said...

best regards, nice info » »