Da suposta dicotomia entre o corpo e a alma

Ela vive dentro do seu corpo. Diz que é por ele e com ele que contacta com o mundo. Que o corpo é uma flor, cheio de tecidos secretos e ambivalências. Que um dia um corpo há-de nascer do seu corpo. Consegues imaginar? Um corpo a nascer de outro corpo. Um corpo a viver dentro de outro corpo. Um corpo que é já outro corpo dentro do corpo que dentro do corpo é já corpo. O seu sexo é um segredo interno. Curva-se e recurva-se para dentro. Dentro de mim entra o corpo que já é corpo de outro corpo. Ela ouve, vê e sente com o corpo. Até pensa com o corpo. O corpo é cérebro multidimensional. Não uma máquina comandada por uma mente. Tudo é já corpo e saber e sentir e amar. Não há como sair do corpo a não ser no corpo de outro corpo. Ou como entrar no corpo sem que outro corpo ocupe o que do corpo se abre para que no corpo se entre.

Ele vive dentro da sua mente. Diz que as ideias lhe alimentam o desejo. Que as portas são todas mentais. Lê livros sobre o cérebro e os seus mistérios. Mas é a mente que procura. De dentro do que pensa e do que sente. Ele toca dimensões secretas, segredos insondáveis, mistérios primordiais. Já se sentiu planar. Ou não estar no sítio onde está. Um dia as ideias gerarão outras ideias numa torrente infinita de palavras, cores, imagens, luzes, espanto e desconcerto mais ou menos psicadélico. O corpo é uma transposição da mente. Foi no vazio do silêncio que tudo começou. Nele despontou a primeira palavra como uma flor no deserto. Precisas de um pouco de água para não morreres no escuro.

Ela estuda as estruturas sinópticas da pele. Passa a mão devagar pela suavidade corporal da sua vida. Conduz o espasmo e o grito na materialidade concreta do momento. Apela aos sentidos que lhe abrem caminhos sempre novos. O que vejo, o que cheiro, o que toco, o que saboreio, o que ouço, atravessa-me o corpo e dentro consubstancializa-se naquilo que sou.

Ele diz que há um sexto sentido. Que se perde por dentro da mente. Não sabe bem explicar. Nisso é como ela. Mas ela tem um corpo para ofertar. Ele diz que o vazio é como o cansaço que fica depois do prazer. Não se pode bem definir. Ou talvez seja uma variante da possessão. Exorcismo estranho de si próprio. Já imaginaste circuitos abstractos de ideias, sendo ainda parte de nós, mas inventando já outra dimensão? Também aí somos o que fomos e seremos.

Ela abre a mão e diz toca-me

Ele fecha-lhe os olhos e diz imagina-me

6 comments:

ana said...

e onde é que os dois se encontram?

Rita said...

O que aparentemente é aqui desencontro pode não o ser,antes uma falha de análise ou o desconhecimento dele acerca de tudo o que ela é.

Imagina que também ela voa para fora do seu corpo, à noite sobretudo, embora o faça agora com menos frequência do que o fazia na adolescência.

Imagina que também ela sente fascínio pelos mistérios da mente e que sonha com o dia em que possa comunicar com um seu semelhante sem fazer uso do recurso da palavra. Mentes que se tocam, que se fundem, o múltiplo tornado uno, a comunicação perfeita.

Imagina.

É certo que ela vive, regra geral, dentro do seu corpo, porque essa é a sua condição de ser humano, como é a dele, suponho.

Eis pois um corpo que é só um invólucro da vida que ali habita, mas que, necessariamente, a condiciona.

E é aqui que ela se perde, que ela não sabe. Quem deseja, afinal? O corpo que é dela ou esse sopro de vida que habita esse corpo, corpo que é também ela - não fora ela ser também esse corpo.

Repara agora: foi no mundo das palavras, ou das ideias feitas palavra, que eles se encontraram e continuam encontrar.

Onde fica o corpo aqui?

Que quer ela realmente expressar quando diz toca-me?

E ele quando diz imagina-me?

As palavras, sempre as palavras, palavras-silêncio, palavras-intenção.

Suponho que ela o rega muitas vezes, muitas mais do que ele possa imaginar.

Simplesmente o faz em silêncio, acreditando que um dia se irão finalmente encontrar - muito para além do corpo... ou das palavras.

:)

Rita said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Anonymous said...

Ao mudares os títulos, deste um sentido muito diferente aos teus textos.

Já o deves ter feito há alguns dias, provavelmente quando mudaste as cores.

Costuma dizer-se não há pior cego do que aquele que não quer ver. Ora, essa sou eu!

...

Se fosse hoje escreveria um comentário algo diferente. Suponho que, para além dos títulos, há também o tempo a oferecer-me outra leitura.

Na tua ausência, que neste caso é presença, vou reler os textos.

Lá se vai a minha teoria sobre o não valor das palavras!

...

Perdão: este texto antes não era uma história de amor?

...

És assustadoramente inteligente e sensível!

(foleira esta última frase, não achaste?)

...

Podes vir visitar-me?

Ficava contente.

10:00 AM

Anonymous said...

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Anonymous said...

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