Queria ter palavras para te encantar

Queria ter palavras para te encantar. E saber como as usar. Conhecer os segredos impossíveis de revelar. E caminhar contigo num labirinto indecifrável que nos condenasse ao desejo suspenso do tempo e à angústia flutuante do ser. Não sei se ris com o que escrevo. Imagino-te a sorrir. Os lábios levemente rasgados. Vermelhos. Quase sangue. Na verdade, não sei o que escrevo. Nunca soube. Sou uma fraude. Deve ser isso. São fraudulentas todas as minhas palavras, falsos os meus gestos, ilusórias as minhas crenças. Minto tanto. A mim próprio me engano. Respiro conspirações improváveis, contradigo-me e perco-me em correcções que aumentam o erro e despertam o assombro silencioso da normalidade vigente. Já não escrevo a sangue. Agora passo a lâmina, mas a carne está seca. Pele e osso. E tu sorris. Como é possível continuares a sorrir? Devias saber que eu não mereço tanto. Que nunca mereci. Que tudo o que disse foi inventado. Lembrei-me da coisa na altura e achei que ficava bem. Mas falo menos agora. Escrevo menos. Leio menos. Penso menos. Sei menos. Estou seco por dentro. Como uma árvore que perdeu as raízes. Ou talvez nunca as tenha ganho. Não inventei nada, não criei nada, não fiz nada. Nem sequer pensei nada. Estou apenas aqui. À espera nem sei do quê. Ou talvez nem esteja à espera. O pouco espaço que ocupo não tem relevância nenhuma. É apenas isso. Espaço vazio e tempo morto. E tu ris. Insistes em manter esse sorriso apaziguador. Meigo como um gesto vago. Terno como um beijo leve. Mas só conheço uma forma de escrever. Esta cinzenta melancolia que me habita, domina, controla. Não sei se salva. Se apenas maltrata. Estes dias estranhos que adio na incerteza da recusa. Não devias sorrir. Devias partir para muito longe. Para um lugar onde ninguém te pudesse encontrar. Nem magoar. Nem usar. Nem deitar fora. Nem iludir. Nem enganar. Nem matar. Nem profanar. Nem amar sequer. Como vês não sei o que digo. Deixo as palavras tomarem conta de mim. Porque eu não saberia tomar conta delas. E são elas que me ensinam o pouco que sei. O quase nada que procuro. O tanto que perco, e deixo fugir, e não alcanço. Há uma loucura qualquer que me habita. Não, espera, eu reformulo. Há uma loucura qualquer que nos habita. Ou não estarias aqui. Não assim como estás. Não sorriso vermelho. Não lábios rasgados. Não dentes visíveis. Sobrepostos, alguns. E não dizes nada? Sou então apenas eu quem fala. Eu que não sei o que digo. Eu que me perco em desgostos impossíveis e em desculpas esfarrapadas. Deve haver um lugar. Sabes o que eles dizem, não sabes. Deve haver um lugar. Mas não tão belo como este. Mesmo que faça frio e nada tenha sentido. Sorriso vermelho. Lábios rasgados. Dentes visíveis. Sobrepostos, alguns.

O nome e a coisa


O Governo português está surpreendido e desagradado com o uso que o Governo venezuelano está a fazer da imagem de José Sócrates.

Entretanto, o presidente Hugo Chávez já pediu desculpa pelo facto e explicou o seu equívoco:

"Eu pensava que o homem era socialista", declarou.

florestas, espelhos e fantasmas

Contó que al primer nativo que encontraron en la Patagonia le pusieron enfrente un espejo, y que aquel gigante enardecido perdió el uso de la razón por el pavor de su propia imagen.

(Gabriel García Márquez)

#FFCC99

Deixa cá experimentar o sal mão da Rita.

It's not pink,

it's salmon.

Outro José e outra Maria

Para a Rita, porque sim.

Passado-Presente

Keep you doped with religion and sex and TV
And you think you're so clever and classless and free

John Lennon
Working-Class Hero
1970

Vodka e Valium 10

Uma vez apaguei tudo, outra queimei.

Comentário retirado daqui

A musa ou o post (im)possível

Para a L., porque guardou.
I

Gostava de ti quando sofrias muito. Gostava de ti à beira da falência. Talvez eu seja sádico. Ou apenas não queira estar tão só no meu masoquismo. Não sei ao certo. Mas sei que te ficava bem a raiva do sofrimento. Que havia uma luz estranha e sedutora nos teus olhos quando os molhavas no choro. Não sei explicar porque era tão belo ver-te sofrer. Eu sei que isto parece doentio. E talvez o seja. Mas o certo é que gostava de ti quando não tinhas direcção e a esperança parecia quase impossível. Gostava de ti quando quase mais ninguém gostava. Quando tu própria parecias não gostar de ti. Quando falavas de ódio, piscavas muito os olhos e acabavas quase sempre a chorar. Gostava de ti quando me parecias muito pequena, quase insignificante. Gostava de ti, não apesar disso, mas por causa disso. Gostava muito de ficar em silêncio enquanto choravas perdidamente. Gostava de saborear o teu sofrimento e a minha absoluta impossibilidade de o sarar. Gostava de te contemplar, como outros contemplam um Deus, demasiado humano, pregado numa cruz, a sangrar. Gostava de te admirar como quem te adorava e te queria muito. Gostava de ficar assim, sozinho, a pensar em ti e no muito que sofrias. Gostava deste gostar de ti. Afinal, gostar de ti talvez mais não seja do que uma tentativa, quem sabe se desesperada, de gostar de mim.

II

Falar de ti, apenas. Mesmo que haja coisas mais interessantes, agora não me importam. Nunca me importaram, aliás. Ou talvez tenham importado, mas agora não. Falar de ti até à exaustão. Percorrer-te com o olhar. Aprender cada gesto, cada sinal, cada pequena e inaudita hesitação. Perseguir-te com os olhos onde quer que estejas, onde quer que vás, onde quer que chegues. Estar onde o teu corpo está. Ser já parte dele. Andar por dentro de ti. Inventar-te em palavras, ideias, delírios, medos, fantasias. Contar histórias a partir de ti, começar em ti, passar por ti, acabar em ti. Olhar-te sempre. Contemplar-te. Admirar-te. Aprisionar-te. Dirás às outras mulheres com quem inventas relações que te persigo com o olhar. Elas queixar-se-ão de amantes que têm ou tiveram que só as olhavam e nada mais faziam. Tu dirás que todos os teus amantes anteriores estão mortos porque nunca te olharam. Por mais que fizessem, nunca olhavam para ti. Nunca te viam. Nunca morriam à sombra da tua imagem. Eu sou o cemitério de todos os teus amantes possíveis. E é em mim que eles ressuscitam. E te olham. E te vêem. E sabem de ti. E quando te tocam já te aprenderam antes. Mesmo quem não tem olhos te vê quando te dá a mão. E sabe.

III

Eu sei um lugar onde é possível respirar. Não há desespero nem esperança, só há um entretanto, um entrenós. Não vale a pena teres medo ou antecipar o que quer que seja. Só o sorriso compensa a espera. Tudo o mais são espaços brancos de silêncio. Não há razão para estarmos aqui. Apenas estamos. Não. Não és tu que estás a escrever. Talvez nunca tenhas sido. Mas eu nunca to quis dizer. Doía-me tirar-te a ilusão. Quem escreve sou eu. Sempre fui eu. Sou eu que sangro das mãos e não sei viver. Sou eu que me perco e te procuro. Sou eu que nunca sei ao certo e que hesito. Sou eu que estou dentro de ti e brinco com os sentidos. Porque não me recrias? Porque não me reinventas? Porque não me fazes feliz? É apenas isso que queremos. Sempre foi apenas isso que quisemos. Sempre será apenas isso que saberemos querer. Mas tu nada sabes sobre nós, pois não? Que sabes tu sobre o que é ser mulher? Não sabes nada. Nunca o soubeste. Mas eu ensino-te. Eu ensino-te tudo. Eu ensino-te tudo o que puder aprender contigo. A esperança é uma mulher. O desespero um homem. Eu tiro-te do labirinto. Não precisas ter medo. Nunca houve outro caminho nem outra solução nem outra saída. Dá-me a mão, para atravessarmos a vida. As mulheres matam, mas uma mulher salva.

Questões irrelevantes II

O que é "o caso Mateus"?

Conselho aos escritores/escritoras pósmodernos/pósmodernas

Míralo todo, sintetiza lo triste y ríete de ello. Un poco de nihilismo coherente para el día de hoy. Di la verdad con una carcajada surrealista que algunos creerán vacía. Sigue la tradición de los Vonnegut, los De Lillo y los Pynchon de este mundo, pero sin que se note; tienes que parecer un escritor poco literario, recuerda; escribes para gente que no suele leer.

Lo importante es que todo parezca un juego de estilo, algo muy sencillo.
Que no se vea el mensage; así lo leerán.

Pero no sabrán que lo han leído.

(Tony Domenech)

José e Maria

Ele e ela. Vamos dizer assim. Verdade que é uma maneira fria, impessoal, distante de o dizer. Mas pior seria, em vez de ele e ela, dizer o gajo e a gaja. E daí, talvez não. Melhor será dar-lhes nomes. João não, que é o meu nome. E daria azo a confusões que quero evitar. Ou talvez forçar. Mas isso agora não vem ao caso. Vamos chamar-lhe José, que é nome vulgar e quase tão usado como João, e tem o mesmo número de letras. E a ela chamar-lhe-emos Maria, que é também nome vulgar e por isso reduz, tal como o nome dele, a possibilidade de haver confusões. Ninguém assim pode dizer que este José de que falamos é este ou aquele José. Tanto pode ser como não ser. Josés há muitos. E Marias também. E o nome às vezes é só um engano. Que este José poderia perfeitamente dizer, se fosse pessoa dada a criar confusões, que o seu nome era João. Ou Manuel. Ou Carlos. Ou Pedro. Ou outro qualquer que lhe queiram dar ou que gostassem que ele tivesse. O certo é que mudando o nome, não mudaria a pessoa só por causa disso. E daí, nunca se sabe.

Mas este José e esta Maria é que agora nos importam. Não os outros e as outras. José tinha três amantes. Nada que pusesse em causa, ao menos em teoria, a sua relação com Maria. Eram amantes intelectuais. A política, a religião e a sexualidade. Tinha descoberto que as amava graças a Maria. Não que ele tivesse um envolvimento prático com qualquer destes três assuntos. Longe disso. Seria mais fácil tê-la Maria. Se fosse preciso fazer política, far-se-ia política, acrescentando ao mesmo tempo que de política nada se sabia. Se era preciso ser religiosa, ou fingir sê-lo, ser-se-ia, ou fingir-se-ia, e se fosse só fingido tão bem fingido seria que por verdade passaria, até para a fingidora. E o sexo, pois, então, enfim, fazia parte. Ele para a política não parecia ter muito jeito. Faltava-lhe a manha, a esperteza, o savoir-faire que a coisa parece implicar. Religioso se era, mais por dentro o seria do que por fora. E quanto ao sexo, não era coisa que perseguisse, e ele, do sexo falamos, não do José, também não o perseguia a ele, agora é ao José que nos referimos. Mas fora por causa de Maria, ou graças a ela, que descobrira que estes assuntos, se não eram a sua vida, ao menos interessavam-lhe, e muito, a um nível, por assim dizer, teórico. Eram assuntos que José não podia falar com Maria. Não porque ele fosse mudo ou ela surda, que se assim fosse de alguma forma haveriam de aprender a falar, sobre isto ou sobre aquilo, política, religião e sexo incluídos, e o que as palavras não pudessem dizer, ou porque por José, mudo, não pudessem ser pronunciadas, ou porque por Maria, surda, não pudessem ser ouvidas, ou por causa das duas coisas ao mesmo tempo, o certo é que o que essas palavras diriam, a não poderem ser ditas, por gestos se haveria de dizer. Mas o problema não era esse. Simplesmente Maria, por uma razão ou outra, ou por várias ao mesmo tempo, que é o que normalmente acontece, não se interessava por tais assuntos, chegando mesmo a evitá-los. De política, dizia nada saber. De religião, pois tinha a sua fé e não estava interessada em discuti-la. E de sexo também não falava a não ser no específico contexto da sua prática. Aí até palavrões conseguia dizer. Mas não valia. Estava fora de si. Aquilo dava a volta à cabeça de qualquer pessoa. Era preciso cuidado. Se alguém se habitua a isto ainda é capaz de ficar agarrado. Depois quer deixar e não consegue. De vez em quando ainda vá. Que até ajuda a aliviar. Mas José gostava de falar nestas coisas. Por razões semelhantes, ao que parece, daquelas que afastavam Maria destas coisas. Tinha crescido num mundo onde a política não era tanto o fazê-la como o desfazê-la, com espírito mais ou menos crítico e paixão mais ou menos revolucionária, que o país que é o nosso, e que é o de José, não é muito dado a estas coisas, referimo-nos à crítica e à revolução, que espírito sempre foi havendo, mais não fosse o do vinho, e paixão também, nem que seja apenas a do futebol. Nesse mundo também a religião não tinha escapado às armas impiedosas da crítica. O sexo não estava tão presente, antes pelo contrário. Se revolução havia a fazer, e parece que sim, não era para começarem todas e todos aí a foder com este e com aquele ou com aquela e com esta. Era o que faltava é que isto passasse a ser o da Joana, com o perdão da Joana que não deve ter culpa de nada, e já ninguém conhecesse os limites e as obrigações dos seus direitos e dos seus deveres sexuais. Mas este alheamento do sexo, se talvez tivesse contribuído para não lhe abrir por demais o apetite, sorte a tua Maria senão era um ver se te comia, o certo é que lhe despertou, se assim pode ser dito, um interesse intelectual pela coisa. Mas não a Maria. Para Maria o sexo era uma coisa que acontecia naturalmente dentro do casamento, de preferência católico, apostólico e romano, e que entre outros efeitos agradáveis tinha esse de poder gerar uma criança, e quem é que não gosta de crianças, só quem não tem coração. Com a política e a religião tinha acontecido o contrário do que acontecera com o José. Maria tinha crescido num ambiente apolitizado. Quem quiser imaginar um cenário semelhante não precisa de ir longe, basta olhar em volta, e só com grande azar, ou inusitada sorte, encontrará diferente cenário. Não se discutia política. Nem sequer se falava dela. Isso era lá com eles. Com os que a faziam. A nós o dia-a-dia já dava bastante que fazer. E que falar. De religião falava-se, mas sempre de acordo com as sagradas escrituras, ou se desvio havia, não era com intenção, e assim que era percebido, logo era natural e piedosamente emendado. Estas coisas da religião, na verdade, não são para brincadeiras. Não porque toquem o íntimo e o secreto de todos nós, mas porque metem medo como um filme de terror. Imaginai-vos a vós, se a imaginação humana a tanto chega, condenados a uma eternidade de sofrimento e de gritos e de choro, a arder para todo o sempre, sem perdão nem salvação, algures num qualquer compartimento do Inferno, assim com letra grande, que infernos como sabemos há muitos, e não convém, ao que dizem, confundir este com os outros. Não há nada como o medo para submeter uma alma, tal como não há nada como a fome para dominar um estômago. Mas agora adiante, que o José e a Maria já estão mais ou menos apresentados, ao menos dentro dos limites do que aqui nos interessa, que isto nunca ninguém conhece ninguém de forma clara e definitiva, e por vezes há surpresas, nem a si próprio ninguém se conhece verdadeiramente, e quem imagina que sim ou se ilude ou de si não conhece quase nada.

Não se sabe ao certo se o amor que José agora nutria pelas suas três amantes era coisa que já vinha de longe ou se a paixão tinha sido aguçada pela resistência de Maria em falar nelas. Tenho uma relação intelectual extra-conjugal, disse o José um dia a um amigo. Tens uma amante, é isso, perguntou o amigo. Uma não, três, esclareceu o José. Sorte a tua, disse o amigo, quem me dera a mim. São amantes intelectuais, acrescentou o José. Então fica tu com elas, concluiu o amigo. E o José ficava com elas. Dormia com elas quase todas as noites. Menos aquelas que dormia, ou melhor não dormia, com Maria. Havia um calendário. Ela assim tinha decidido. Isto não convém abusar. Já viste se somos apanhados pela fúria dos sentidos. A José, tal fúria também não interessava. Quando Maria estava de folga, entretinha-se com pornografia. Isso até lhe dava umas ideias que nos dias reservados ao uso da coisa tentava pôr em prática. Mas Maria era relutante. Um dia, José propôs-lhe que tentassem a coisa a três. Maria a princípio disse que sim, que estava bem, que podia ser tudo o que ele quisesse, mas depois esclareceu que aquelas declarações tinham sido feitas a quente, mais especificamente durante o acto, e que ela estava fora de si, nem sabia o que dizia, só queria é que ele não parasse, e ele tinha ameaçado que se ela não quisesse a três ele deixaria ali mesmo de querer a dois, ao menos com ela. Podia ser com a tua amiga, arriscou o José, a Joana, ou lá como é que ela se chama, maluca para isso era ela, ao menos parecia, mas também se podia pagar a uma profissional do sexo, e essa até podia trazer companhia, era só escolher e pagar, não custava nada, maneira de dizer, alguma coisa havia de custar, mas gasta-se dinheiro em tanta coisa mal gasto, que gastá-lo assim era só mais uma forma de o aproveitar, melhor ou pior. Ela cortou o assunto abruptamente. Não sejas parvo, tenho mais em que pensar e mais que fazer. Não que José quisesse muito ter outra mulher na cama. Mas a conversa agradava-lhe. A Maria, não. Por isso levantou-se da cama e fechou-se na casa de banho, batendo a porta com força. José ficou a pensar que devia tentar falar de política e de religião durante o acto, assim a quente, quando ela menos esperasse, como quem espeta um ferro no dorso ensanguentado de um touro enraivecido. Não pares agora que estou quase a vir-me, imploraria Maria. Fode-me toda, diria ele como quem lembra a uma actriz distraída o que deve dizer a seguir. Sim, pois, isso, fode-me toda, gritaria ela. E ele, enquanto o ferro ia e vinha e a tourada estava no auge, lá diria, como quem não quer a coisa: Então o cabrão do Cavaco lá ganhou esta merda!