contradictio in actu

Sim, tenho as minhas contradições, os meus enganos, os meus desvios, as minhas mentiras, falsidades e hipocrisias. Mas prefiro assim do que ser linear, ter sempre razão, imaginar que sei a verdade e que já não preciso de oscilar e de me perder a procurá-la. Sei que na contradição reside o essencial de nós próprios. Que se ela é um caminho de pecado e cegueira é também nela que reside o segredo da salvação e do perdão. O pedido de Agostinho: “Senhor, faz-me casto, mas não ainda”, é mais do que uma piada fácil. Agostinho está no caminho certo. Porque o caminho certo não é ser casto ou não o ser. É viver a contradição. E viver a contradição é pensar, coisa que se dispensa demasiado facilmente nos tempos que correm. Mas apenas a inteligência nos pode salvar. Por ela nos perdemos, por ela nos encontramos.

6 comments:

ana vicente said...

eu percebo o que queres dizer...

mas caaaaansa tanto viver nela.

Rita said...

jctp,


É duvidoso que advogues a ausência de opinião, não fora o desânimo e a tristeza que se lê muitas vezes nos teus textos sobre o facto, precisamente, de as pessoas não terem opinião, leia-se, espírito crítico.

Mas há contextos: suponho que te referes, no primeiro caso, à sociedade e à forma como funciona e, neste caso, a um sentir/pensar que é comum, transversal, a muitos homens e mulheres - e que se prende com algo mais universal que é a essência de se ser.

Pessoalmente não estendo porque associas a contradição ao pecado e à cegueira ou até mesmo à salvação e ao perdão, mesmo que o faças (fazes?) metaforicamente.

Deve ser da palavra pecado, que tenho tendência a recusar...

Compreendo, no entanto, a importância de termos disponibilidade interior para nos questionarmos e questionarmos as nossas certezas - condição indispensável para o nosso crescimento como seres humanos.

Se esse atributo, chamemos-lhe assim, se liga tão só e apenas à inteligência, tenho dúvidas.

Onde ficam os sentimentos no meio disto tudo?

E a fé? (se a quisermos retirar dos sentimentos e dar-lhe um estatuto especial)

Anonymous said...

ainda bem que deixaste tanto por apagar. fazes-me lembrar alguém no teu discurso. uma mulher que admiro muito. referência da minha vida: a minha mãe. e por isso continuo atenta, com pézinhos de lã, a escutar com atenção o TANTO que tens para nos dar.Obrigada.

ana said...

acho que a incoerência alheia assusta pela instabilidade que contem.

às vezes parece-me que é mais fácil confiar em alguém que nos parece coerente.

a coerência (própria ou alheia) talvez seja sempre uma ilusão, da mesma forma que é ilusão achar que não há diferentes correntes num rio, que todas as parcelas do rio correm para o mesmo lado.

a vantagem da incoerência é a vantagem de nos podermos espraiar pelo domínio do humano. "a melhor maneira de viajar é sentir tudo de todas as coisas" do alvaro de campos. e isto torna-nos mais humanos e por isso mais "santos".

quando alguém depende de nós (relação mãe-filho, por exemplo) como podemos viver as contradições?

ana vicente said...

ó ana, acho que é na relação mãe-filho que se vive a maior das contradições...
e nem vale a pena explicá-la. tem de se vivê-la.

ana said...

ó ana, pois eu sei acredito, mas como se consegue é um mistério para mim. on verá.