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Do Partido Socialista


Ilustra a história um encantador episódio entre Mário Soares e Piteira Santos. Aquele teria perguntado a este: "Porque é que você não se inscreve no Partido Socialista?" E Piteira: "Porque sou socialista!"


PORTUGAL PASSA AO LADO
Por Baptista-Bastos
Diário de Notícias, Quarta-Feira, 16 de Maio de 2007.

Espavorido, Marques Mendes fez, há dias, uma alarmada declaração ao País: "O PS está à direita do PSD!" A coisa só pode ser grave e surpreendente para o próprio Marques Mendes, político gentil e, aparentemente, alheado da recente História pátria. O PS sempre alimentou a nossa inocência, comovendo-nos com a incessante litania da esperança. Quando os seus militantes atroavam as ruas, gritando a idílica frase "Partido Socialista, partido marxista!", ignoravam, com idêntico ardor, o exacto significado do que diziam.

Nada disto tem importância. Nunca ninguém se preocupou com os ideais, as doutrinas, os projectos do PS para Portugal. Acaso o PS não tinha nenhum. E, pelos vistos, não o tem. Aquela extasiada história do "partido marxista" foi logo removida do ABC, quando Willy Brandt recomendou a sua rápida submersão. Ávidos de "modernidade", os dirigentes do PS estabeleceram o preceito de que a melhor teoria é não ter teoria alguma.

Ilustra a história um encantador episódio entre Mário Soares e Piteira Santos. Aquele teria perguntado a este: "Porque é que você não se inscreve no Partido Socialista?" E Piteira: "Porque sou socialista!" Na realidade o PS nunca praticou, nem involuntariamente, o socialismo, justificando-se com o "pragmatismo" ou apoiando-se num enigmático "contexto histórico", de que servia de escora a "guerra fria". Os factos induzem-nos a duvidar se alguma vez houve "socialismo", por módico que fosse, em qualquer parte do planeta.

Não foi Sócrates que deu cabo do PS. Foi o PS que deu cabo da ideia que, erradamente, se fazia do PS. Sócrates regressou à "pureza inicial" do partido, como foi enternecedoramente sublinhado no jantar comemorativo da fundação. Mas Sócrates deu, também, cabo do PSD de Mendes; ou, pelo menos, ensarilhou o PSD e entalou Mendes. Este, averiguadamente desconcertado, diz o que não devia dizer e toma atitudes tão ignaras quanto absurdas. O incidente Carmona é outra parcela a juntar à soma de disparates. Ante esta rude gesta, Luís Filipe Menezes, sibilino e doce, por vezes na cintilação de leve sarcasmo, vai tecendo os fios que enredam Mendes numa trama cada vez mais inextricável.

Entretanto, a designação de António Costa para Lisboa ergue a suspeita de que Sócrates quis remover um émulo poderoso. Manigância com antecedentes: lembremo-nos das ciladas a Mário Soares e a Manuel Alegre. Maquiavel advertiu que, em política, não há moral. Sócrates não leu: mas aprendeu de ouvido.

Os limites e as confusões deste aviltamento convidam-nos a concluir que, com cavalheiros de tal porte, tudo se resume a ganhar ou a perder.

Portugal passa ao lado.

Trair

Não há nada mais perigoso do que uma pessoa que não cresceu. A inocência que não se perdeu alimenta a crueldade. As pessoas que não crescem não sabem que não crescem. Toda a sua vida é uma tentativa de esconderem de si próprias essa verdade. Enganam-se a si próprias enganando os outros. E fingem nesse engano uma maturidade que não têm. Preferem o poder ao amor. Submeter os outros ajuda-as a esquecer a sua trágica submissão. Temem a liberdade alheia. Nada os assusta mais do que uma pessoa livre. Escusado será dizer que quando aqui falo de crescimento falo de crescimento interior. Claro que a interioridade se reflecte sempre naquilo a que chamamos a vida exterior. Mas as pessoas que não cresceram investem fora de si tudo o que não têm dentro de si. Precisam de gritar ao mundo que são o que não são. Vivem de aparências e de falsas verdades. O artifício de que vivem é a sua própria morte. Perderam a alma mas não se importam. O que os assustaria verdadeiramente era ter uma. Fogem de si próprios e nessa fuga violenta atropelam os outros. O sofrimento alheio compensa-os. São actores mórbidos da sua própria ruina interior. E vivem matando a vida que perderam.

Salto falhado

I held the blade in trembling hands
Prepared to make it but just then the phone rang
I never had the nerve to make the final cut.
(Roger Waters)

Está na ponte e vai saltar. Mas há alguém que grita. E o grito ecoa pelo espaço vazio. Os carros passam demasiado depressa. Mesmo com velocidade controlada. Circulam por dentro da sua indiferença contida. Ninguém sabe quem é. Está na ponte e vai-se atirar. Imagina-se para onde vai. Para um vazio qualquer. Talvez procure outro mundo e outra vida. Há alguém que grita. Mas o grito perde-se no espaço vazio. Os carros passam demasiado depressa. Só um sorriso o poderia salvar. Mas ela ficou em outro lugar. Talvez espere por ele. E ele não sabe regressar. Alguém grita. Ele volta-se para se agarrar. Antes da queda final. As pessoas regressam a casa. Depois de mais um dia cumprido. A noite cai devagar. Mas ele cairá num ápice. O dia volta amanhã. Mas para ele não haverá regresso. Está na ponte e vai saltar. Há alguém que grita. Como se o tempo ainda pudesse parar. Os carros passam depressa. Mesmo com velocidade controlada. O coração bate a compasso. O sangue ecoa nos pulsos. O rio ficaria vermelho se agora os abrisse. Ouve-se um grito ao longe. Ele regressa devagar. Há um carro da polícia que pára. O senhor não sabe que não pode andar assim na ponte? É que eu ia saltar. Não me venha com desculpas e entre no carro. A polícia leva o homem que não saltou. Houve alguém que gritou. E o grito dissolve-se no ar. Já ninguém o ouve. Há um carro que pára no mesmo lugar de onde ele ia saltar. Isto de ter avarias na ponte é uma chatice e dá direito a multa. Há um grito que ecoa no ar. Mas este conseguimos compreender. Anda com essa merda para frente, minha besta!

Cultura de género

Entre o que os homens querem e o que os homens devem querer há uma diferença difícil de entender. Entre o que as mulheres querem e o que as mulheres devem querer há uma diferença difícil de entender. A este desvio diferencial chamamos cultura. E o resto é o quê?

O nosso maior trauma

Nunca é tarde para se ter uma infância feliz, diz o Jorge Palma numa canção. Valorizamos demais a infância. Transformámo-la numa obsessão. A psicanálise freudiana centrou-nos nela. Hemingway dizia que um escritor deveria ter tido uma infância terrível ou, se a não tivesse tido, deveria inventá-la. Transformámos a infância na mais importante idade das nossas idades. A primordial, a decisiva, a verdadeiramente marcante e traumatizante. Ela tornou-se o lugar de todos os dramas, de todos os medos, de todos os fantasmas. É a ela, dizem-nos, que temos que voltar para resolver os nossos mais profundos traumas que nela em nós se teriam enraizado. A infância tornou-se um lugar perigoso. A criança é um perverso polimorfo, lembrava Freud. A infância era o limbo de onde tínhamos de sair. Um paraíso que escondia um inferno. Um inferno que só ilusoriamente parecia um paraíso. Era lá que tudo acontecia. Era lá que estavamos expostos aos maiores perigos. O reino da inocência tornava-se num cruel mundo de perversões e escorregadias seduções. Édipo espreitava-nos. O desejo incestuoso da mãe ou do pai. O impulso homicida alimentado pelo ciúme familiar. A criança tornou-se um fantasma obscuro, um submundo negro povoado por terrores e perversões. Contraponto doentio da pureza infantil. Insensatos, transformámos a infância no lugar de origem dos nossos mais profundos males. E essa infância que perdemos e que estupidamente entregámos às maquinações nocturnas do mal em silêncio vingou-se de nós. Talvez nenhum trauma realmente profundo, excepto em casos excepcionais, tenha tido origem nessa malfadada infância, mas ao imaginarmos que sim, acabámos por a transformar no nosso maior trauma.

A origem do mal

No caso da rapariga curda, barbaramente assassinada por um bando de criminosos, por se ter apaixonado por um rapaz de outra religião, foi a rapariga que teve que morrer. Das duas, uma. Ou o outro lado é mais humano e civilizado, ou em casos como este é a mulher que deve morrer. Não descartando a primeira, inclino-me mais para a segunda opção. Já no mito cristão da origem do pecado original, Deus, como castigo, submete a mulher ao homem e o homem à natureza, o que acaba por ser uma forma de naturalizar a submissão da mulher ao homem.

A cegueira liberal

A única justificação na luta contra o Estado é a luta contra o poder. Mas o poder que o Estado perde não se evapora.

O fim da cultura

Aqui, no site de notícias do google em português, a ciência tem direito a espaço próprio. A cultura, não. É procurá-la no entretenimento.

Maio, mês de Maria.


Foge comigo, Maria, para longe desta terra.

As incertezas da terceira via

Se neste teste político responderem "Not sure" a todas as perguntas o resultado é: You adhere to the Third Way. The Third Way is a fairly nebulous concept, but it rests on the idea of combining economic efficiency - i.e. a market economy with some intervention - with social responsibility. The focus is emphatically on the community as a whole, and not necessarily equality per se. Adherents of the Third Way range from moderate to conservative in their social views, and have recently been willing to take a "tough" line on a range of social issues.

Maio de 2007


Sarkozy quis "abolir" o Maio de 68, e o Maio de 68 vinga-se nos bairros sociais.

Isolacionismo

Enquanto os jovens destroem os seus próprios bairros, Sarkozy está algures no mediterrâneo no seu iate, a meditar. Será ele mesmo capaz de salvar a pureza da alma francesa?

Direita cruzada

Sarkozy ganhou as eleições em França "democratizando" o discurso da extrema-direita. O resultado nem é muito mau para o Partido Socialista que ainda pode vencer as legislativas. Mas é péssimo para o partido de Le Pen.

Quando a esmola é grande, o pobre desconfia.

Jean-Marie Le Pen, presidente da Frente Nacional, declarou hoje que conta com a consolidação de seu partido nas eleições legislativas, para fazer oposição a Sarkozy na Assembléia Nacional. "Sarkozy se encontrará frente a frente com as promessas que fez. Tenho certeza de que ele não as manterá", afirmou.

Pensamento único, expressão múltipla.

Não basta perguntar se existe liberdade de expressão. É preciso também perguntar se existe liberdade de pensamento. Uma coisa é dizer que ambas as liberdades estão ligadas, outra acreditar que uma se segue magicamente à outra.

Qualquer coisa

- Então agora são só aforismos?
- Parece que sim.
- E quando é que começas a escrever alguma coisa que se veja?
- Tenho medo da tentação de apagar.
- Não seria a primeira vez.
- Nem a última.
- Então escreve.
- Mas o quê?
- Qualquer coisa.
- E achas que qualquer coisa serve?
- Se não servir, acrescentas mais qualquer coisa e já não ficas só com qualquer coisa.
- E fico com o quê, então?
- Ficas com o que ficares.
- Bom, sempre é melhor do que qualquer coisa.
- Vais ver que até consegues qualquer coisa.