Parece que lá pelo Brasil, por cá não dei por nada, em jornais e coisas parecidas, que por lá deve haver mais do que por cá, se fala de um suposto elogio que o Papa terá feito de Karl Marx num inacabado livro sobre Jesus, que o teólogo tem vindo a elaborar, e do qual, a parte da obra já realizada vai ser publicada este mês. Não é propriamente um elogio, senão o reconhecimento do valor do trabalho crítico e intelectual do filósofo alemão. Como já alguém disse deste Papa: ele é imensamente contraditório. Sendo essa apenas mais uma das razões que me leva, por vezes, a simpatizar com ele. Ora cai o Carmo e a Trindade, na cabeça de alguns beatos do capitalismo, pelo suposto elogio a Marx, pai do comunismo, e logo responsável por todos os crimes que em seu nome se cometeram. Na cabeça destes beatos também as críticas radicais que o Papa faz ao colonialismo e à destruição de culturas (no sentido antropológico do termo, portanto incluindo aí economia, religião, relações sociais e tudo aquilo que transforma um punhado de homens e mulheres em mundo organizado), não são aceitáveis porque o Papa se esqueceu do terrível papel da Igreja neste processo, e, se o não esqueceu, o que tinha era de pedir desculpa, à boa maneira do seu antecessor, e não atirar pedras, uma vez que tem telhados de vidro. Partindo aqui do pressuposto que criticar é atirar pedras e que há alguém que não tenha telhados de vidro.
Vamos a um exemplo. A declaração infeliz que o Papa fez sobre o Islão, é uma declaração conservadora ou progressista? Eu acho que é progressista. E pouco importa aqui que o Papa pudesse ter dito o mesmo do catolicismo e não o tenha dito. O facto da afirmação ser verdadeira para as duas religiões não impede que o seja para cada uma delas individualmente, e logo, o que o Papa disse do Islão é verdadeiro, embora possa ser apenas uma verdade parcial. Em nome de Deus, ou desta ou daquela religião, perseguiu-se, torturou-se e matou-se, segue-se, dizem os novos beatos, que tudo está errado nessas religiões ou nessas doutrinas. Para se protegerem da crítica, e para esconderem o seu próprio veneno, os novos beatos, decidem fazer aquilo que sempre fizeram, atirar fora o bebé juntamente com a água suja do banho, mas sabemos que o que desejam realmente é atirar fora o bebé e ficar com a água suja, mudando-lhe o nome e o sentido, mas mantendo o essencial, desde que sejam eles a controlar a distribuição colectiva do lixo.
Os católicos que conheço gostam muito uns dos outros e do seu catolicismo, mas não acham muita piada a padres e companhia, incluindo muitas vezes nessa companhia o próprio Papa, que normalmente quase parece um seu ódio de estimação, ódio dissimulado é certo, que os católicos que conheço, são mais ou menos especializados na arte da dissimulação nestes assuntos. Eu penso ou sinto mais ou menos ao contrário. Não tendo grande simpatia pelo catolicismo, os católicos que conheço ajudam-me ainda a ter menos, mas não desgosto de alguma inteligência que por vezes nesse obscuro mundo também se vislumbra, e tenho alguma simpatia intelectual, discordâncias à parte, com este Papa. Certamente o prefiro ao popular e beato, ainda não é, mas está para breve, João Paulo II.