Sexualidade e direitos de personalidade
As religiões nunca deram grande destaque à mulher. Nunca a trataram da mesma forma que tratam os homens. Eva é a companheira de Adão, mas Adão é mais do que apenas o companheiro de Eva.
Siddhartha de hermann Hesse é talvez um bom exemplo. Porque procura ser um livro religioso no sentido profundo da expressão. Pouco ou nada as mulheres existem nesse livro. Só uma merece lugar de destaque: Kamala. Mas esse é um lugar estritamente ligado à sexualidade. Kamala é mestra na arte do prazer e do uso sensual dos sentido. Esse é o seu domínio, o seu ofício. E Kamala dificilmente ultrapassa os limites desse seu território. É verdade que mais tarde procurará Buda, coisa que pensará fazer ainda jovem, mas que só fará quando a idade pesar e a sua boca vermelha e viva, comparável a um figo maduro, se tornar apagada e envelhecida. De certa forma é este o lugar que o cristianismo dá à mulher. E fica a sensação, que apesar de tudo, o cristianismo ainda foi das religiões que mais destaque deu à mulher e à sua personalidade. É certo que o fez anulando a sua sexualidade. Como se a mulher só pudesse ser pessoa para além ou aquém do seu sexo, o que acaba por ser uma forma de legitimar a redução da mulher à sexualidade. O teu sexo tira-te a personalidade, a tua personalidade tira-te o teu sexo. E, no entanto, uma pessoa, e isto o cristianismo parece ter compreendido, só é verdadeiramente respeitada enquanto tal se as suas relações intersubjectivas passarem pela sua personalidade, pela sua pessoa total, e não apenas por este ou aquele aspecto dela. Kamala, neste sentido, não pode ser verdadeiramente respeitada. E é em grande medida por isso que Siddhartha não a consegue amar verdadeiramente, tal como ela não consegue amar ninguém. E é só quando mais tarde se reencontram, quando Kamala, já envelhecida, parte para ver Buda morrer, levando consigo o filho, que sem o saber Siddhartha lhe tinha feito, é apenas nessa altura, quando reencontra Siddhartha, quando este a reconhece, a ela que vem mordida por uma cobra e que vai morrer brevemente, e quando reconhece o seu filho, é nessa altura que alguma coisa do que poderíamos chamar amor acontece. Mas nesta altura Kamala já não é quem era, não é a cortesã mas a mãe, não é a jovem sensual e provocadora, mas a mulher envelhecida e quase assexuada. Kamala só é verdadeiramente respeitada e só toca o amor quando perde a sua sexualidade, só nessa altura se torna verdadeiramente uma pessoa. Não é difícil perceber que estamos aqui no seio do drama, tão bem representado pelo cristianismo, da santa e da puta. A puta seria pura sexualidade sem personalidade, enquanto a santa é uma mulher finalmente com plenos direitos de personalidade, mas amputada da sua sexualidade. Enquanto Kamala é a mestra do prazer, é apenas a esse nível que é tratada, mas só quando perde o seus trunfos e se torna mãe (a maternidade aparecendo como uma forma de sublimar a sexualidade, ou seja, de reduzir a sexualidade à reprodução, princípio que o cristianismo irá defender como forma de divinizar o uso do sexo) é que finalmente adquire personalidade.
Ora a resolução e superação desta contradição seria aquilo para que deveria apontar o discurso de emancipação da mulher. O que é a emancipação da mulher? Para responder em poucas palavras, ela outra coisa não deveria ser do que a posse pela mulher de todos os seus direitos de personalidade. A mulher, como aliás o homem, devem ser tratados sempre e em qualquer situação como pessoas, como personalidades totais e não parciais. O cristianismo em grande medida tentou apontar para aí, é também talvez por isso que o seu fracasso nos parece hoje quase absoluto. E isto porque o cristianismo apontou para esse caminho amputando a mulher da sexualidade. A filha, virgem, a esposa, propriedade sexual de um marido com um direito de uso limitado à reprodução, a mãe. Ou então a santa, e a ausência total de sexualidade, a castidade. Mas o que é preciso entender é que esta forma de limitar a sexualidade permitiu à mulher ganhar direitos de personalidade. A boa filha e a boa esposa, a mãe e a santa passam a ser mais respeitáveis socialmente do que as mulheres que são vistas apenas como sexualidade, a prostituta, a devassa, a infiel. Como sair daqui? Uma das respostas, vinda de um feminismo aparentemente mais radical, mas no fundo mais ingénuo, e hoje outra vez na moda, tende a entender como caminho da libertação da mulher a inversão radical desta utopia cristã. A mulher definida enquanto género, enquanto sexualidade, enquanto corpo. É um discurso fácil e atraente, não admira pois o seu sucesso, além de ser politicamente inócuo. É um discurso que se centra em questões de género – o que é ser homem?, o que é ser mulher? – e não em questões sociais e politicas. Um discurso que parece acreditar, ou ao menos querer fazer acreditar, que as mulheres se libertam pela sexualidade, essa mesma que foi usada como forma de subjugação da mulher: tu és sexo, e serás apenas sexo. O homem é também sexo, mas é sempre mais do que isso. E provavelmente esta nova redução da mulher à sexualidade é uma forma tão eficaz de a desqualificar enquanto pessoa como o foi ao longo de tanto tempo a castração da sua sexualidade.
Siddhartha de hermann Hesse é talvez um bom exemplo. Porque procura ser um livro religioso no sentido profundo da expressão. Pouco ou nada as mulheres existem nesse livro. Só uma merece lugar de destaque: Kamala. Mas esse é um lugar estritamente ligado à sexualidade. Kamala é mestra na arte do prazer e do uso sensual dos sentido. Esse é o seu domínio, o seu ofício. E Kamala dificilmente ultrapassa os limites desse seu território. É verdade que mais tarde procurará Buda, coisa que pensará fazer ainda jovem, mas que só fará quando a idade pesar e a sua boca vermelha e viva, comparável a um figo maduro, se tornar apagada e envelhecida. De certa forma é este o lugar que o cristianismo dá à mulher. E fica a sensação, que apesar de tudo, o cristianismo ainda foi das religiões que mais destaque deu à mulher e à sua personalidade. É certo que o fez anulando a sua sexualidade. Como se a mulher só pudesse ser pessoa para além ou aquém do seu sexo, o que acaba por ser uma forma de legitimar a redução da mulher à sexualidade. O teu sexo tira-te a personalidade, a tua personalidade tira-te o teu sexo. E, no entanto, uma pessoa, e isto o cristianismo parece ter compreendido, só é verdadeiramente respeitada enquanto tal se as suas relações intersubjectivas passarem pela sua personalidade, pela sua pessoa total, e não apenas por este ou aquele aspecto dela. Kamala, neste sentido, não pode ser verdadeiramente respeitada. E é em grande medida por isso que Siddhartha não a consegue amar verdadeiramente, tal como ela não consegue amar ninguém. E é só quando mais tarde se reencontram, quando Kamala, já envelhecida, parte para ver Buda morrer, levando consigo o filho, que sem o saber Siddhartha lhe tinha feito, é apenas nessa altura, quando reencontra Siddhartha, quando este a reconhece, a ela que vem mordida por uma cobra e que vai morrer brevemente, e quando reconhece o seu filho, é nessa altura que alguma coisa do que poderíamos chamar amor acontece. Mas nesta altura Kamala já não é quem era, não é a cortesã mas a mãe, não é a jovem sensual e provocadora, mas a mulher envelhecida e quase assexuada. Kamala só é verdadeiramente respeitada e só toca o amor quando perde a sua sexualidade, só nessa altura se torna verdadeiramente uma pessoa. Não é difícil perceber que estamos aqui no seio do drama, tão bem representado pelo cristianismo, da santa e da puta. A puta seria pura sexualidade sem personalidade, enquanto a santa é uma mulher finalmente com plenos direitos de personalidade, mas amputada da sua sexualidade. Enquanto Kamala é a mestra do prazer, é apenas a esse nível que é tratada, mas só quando perde o seus trunfos e se torna mãe (a maternidade aparecendo como uma forma de sublimar a sexualidade, ou seja, de reduzir a sexualidade à reprodução, princípio que o cristianismo irá defender como forma de divinizar o uso do sexo) é que finalmente adquire personalidade.
Ora a resolução e superação desta contradição seria aquilo para que deveria apontar o discurso de emancipação da mulher. O que é a emancipação da mulher? Para responder em poucas palavras, ela outra coisa não deveria ser do que a posse pela mulher de todos os seus direitos de personalidade. A mulher, como aliás o homem, devem ser tratados sempre e em qualquer situação como pessoas, como personalidades totais e não parciais. O cristianismo em grande medida tentou apontar para aí, é também talvez por isso que o seu fracasso nos parece hoje quase absoluto. E isto porque o cristianismo apontou para esse caminho amputando a mulher da sexualidade. A filha, virgem, a esposa, propriedade sexual de um marido com um direito de uso limitado à reprodução, a mãe. Ou então a santa, e a ausência total de sexualidade, a castidade. Mas o que é preciso entender é que esta forma de limitar a sexualidade permitiu à mulher ganhar direitos de personalidade. A boa filha e a boa esposa, a mãe e a santa passam a ser mais respeitáveis socialmente do que as mulheres que são vistas apenas como sexualidade, a prostituta, a devassa, a infiel. Como sair daqui? Uma das respostas, vinda de um feminismo aparentemente mais radical, mas no fundo mais ingénuo, e hoje outra vez na moda, tende a entender como caminho da libertação da mulher a inversão radical desta utopia cristã. A mulher definida enquanto género, enquanto sexualidade, enquanto corpo. É um discurso fácil e atraente, não admira pois o seu sucesso, além de ser politicamente inócuo. É um discurso que se centra em questões de género – o que é ser homem?, o que é ser mulher? – e não em questões sociais e politicas. Um discurso que parece acreditar, ou ao menos querer fazer acreditar, que as mulheres se libertam pela sexualidade, essa mesma que foi usada como forma de subjugação da mulher: tu és sexo, e serás apenas sexo. O homem é também sexo, mas é sempre mais do que isso. E provavelmente esta nova redução da mulher à sexualidade é uma forma tão eficaz de a desqualificar enquanto pessoa como o foi ao longo de tanto tempo a castração da sua sexualidade.
4 comments:
porque achas tu que os homens colocaram as mulheres nesta posição.
de onde vem a necessidade de reduzir as mulheres?
a mulher, ainda hoje, quere-se santa e puta...
Looking for information and found it at this great site...
Permian flowers Como liberar blackberry Buy link onlinejixxde tramadol Lcd video projector plans Texas holdem events power cord for blackberry
That's a great story. Waiting for more. » » »
Post a Comment